"Todo
aquele que repudia sua mulher e casa com outra comete adultério; e aquele que
casa com a repudiada do marido também comete adultério."
— Lucas 16:18
Este versículo é frequentemente usado para afirmar que o divórcio só é moralmente legítimo em casos de infidelidade sexual. No entanto, uma interpretação contextual e teológica mais ampla permite entender que a Bíblia reconhece a complexidade das relações humanas e abre espaço para o divórcio quando o casamento se torna insustentável, mesmo sem infidelidade. Vejamos:
1. O Contexto Imediato: Uma Resposta aos Fariseus
Jesus proferiu essas palavras durante um debate com os fariseus, que defendiam o divórcio por motivos triviais (como em Mateus 19:3-9). A cultura judaica da época permitia que homens repudiassem suas esposas por quase qualquer razão (baseado em uma interpretação flexível de Deuteronômio 24:1). Jesus, porém, condena essa prática abusiva e frívola, reafirmando a seriedade do casamento como pacto sagrado.
- A ênfase de Jesus não é
criar uma regra absoluta, mas combater a leviandade com que o
divórcio era tratado.Vamos
analisar cada parte do versículo, considerando o contexto cultural, linguístico
e teológico, e como ele se harmoniza com a visão de que a Bíblia reconhece a
legitimidade do divórcio em casos além da infidelidade sexual:
"Todo aquele que repudia sua mulher...""Repudia" (grego apolyō): Na cultura judaica do século I, o divórcio era permitido por motivos triviais (como "qualquer coisa que desagradasse" o homem — Deuteronômio 24:1). Jesus está criticando essa prática abusiva, não condenando todos os divórcios indiscriminadamente. - Perspectiva ampla: A crítica é ao divórcio egoísta e injustificado, não à separação em casos de violação grave do pacto conjugal (abuso, abandono, negligência extrema).
- Casar-se com uma divorciada: A ênfase é na responsabilidade mútua. Se alguém se casa com uma pessoa divorciada por motivos frívolos, participa do pecado de invalidar um pacto que Deus ainda considerava intacto.
- Contexto de justiça: Se o divórcio anterior foi legítimo (ex.: abandono de um cônjuge não crente — 1 Coríntios 7:15), o novo casamento não é imoral.
2. A Abordagem Pastoral de Paulo: Outras Exceções
Paulo
reconhece uma segunda exceção bíblica ao divórcio:
"Se o descrente quiser separar-se, que se separe. O irmão ou a irmã não
ficam sujeitos à servidão em tais casos."
— 1 Coríntios 7:15
Isso mostra que a Bíblia autoriza o divórcio em casos de abandono por um
cônjuge não crente, mesmo sem infidelidade. Essa exceção revela que Deus
prioriza a paz e a dignidade humana sobre a manutenção forçada de um
vínculo destruidor.
3. Princípios Bíblicos que Justificam o Divórcio Além da Infidelidade
A Bíblia não é exaustiva em listar motivos para o divórcio, mas estabelece princípios que protegem a vida e a dignidade:
- Proteção contra abuso físico
ou emocional:
A lei do Antigo Testamento garantia direitos às mulheres em casos de negligência extrema (Êxodo 21:10-11). Hoje, esse princípio se aplica a relacionamentos abusivos. - Justiça e misericórdia:
Jesus ensinou que "a misericórdia triunfa sobre o juízo" (Tiago 2:13). Manter alguém em um casamento opressivo contradiz o amor cristão. - Integridade do pacto
conjugal:
Se o casamento se torna um ambiente de traição contínua (não apenas sexual), mentira ou violência, o pacto já está quebrado.
4. A Linguagem de "Adultério" em Lucas 16:18
A menção ao "adultério" não significa que todo divórcio sem infidelidade seja imoral, mas alerta contra:
- Repudiar o cônjuge por motivos egoístas (como os fariseus faziam),
- Tratar o casamento como descartável.
O foco de Jesus é preservar a santidade do matrimônio, não condenar vítimas de relacionamentos irreparavelmente danificados.
5. Casamentos "Que Não Dão Certo": Quando o Pacto Já Está Quebrado
Um casamento pode "não dar certo" por motivos como:
- Abuso crônico (físico, emocional ou espiritual),
- Abandono afetivo (negligência, indiferença),
- Vícios destrutivos (alcoolismo, jogos, drogas),
- Incompatibilidade irreconciliável após esforços sinceros de restauração.
Nesses casos, a quebra do pacto conjugal já ocorreu, mesmo sem infidelidade. A Bíblia não exige que alguém permaneça em um relacionamento que ameace sua saúde, segurança ou fé.
6. A Visão Ampliada da "Imoralidade Sexual" (Porneia)
Alguns teólogos argumentam que a palavra grega πορνεία (porneia), usada por Jesus em Mateus 19:9, pode incluir outras violações graves do pacto conjugal, como:
- Abuso sexual,
- Comportamento perverso ou explorador,
- Traição emocional crônica.
Se o termo for interpretado nessa amplitude, a "exceção" de Jesus já abrange situações em que o casamento "não dá certo".
Conclusão: Lucas 16:18 Não Condena Todas as Formas de Divórcio
Jesus condena divórcios egoístas e superficiais, não a separação em casos de quebra grave do pacto conjugal. A Bíblia, como um todo, reconhece que:
1. O divórcio é uma tragédia, mas às vezes necessária para proteger a dignidade humana.
2. Deus odeia a violência e a injustiça (Malaquias 2:16) mais do que um divórcio realizado com integridade.
Portanto, embora Lucas 16:18 não liste exceções, sua mensagem deve ser lida à luz de toda a revelação bíblica, que prioriza amor, justiça e misericórdia sobre legalismos.
Para
reflexão:
"Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a
opressão."
— Isaías 1:17
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